quinta-feira, 9 de junho de 2011

Tempos de feitiçaria!

                                                                        Foto: Marcelo Soares

// Composições inspiradas em Edgar Alan Poe, pitada de Mautner, Dalí e guitarradas influenciadas de Hendrix. Sem esquecer, é claro, do viés lírico mais famoso da cidade do Recife. Júlio Castilho é um artista que se consagrou nos brios independentes da Veneza brasileira. O Falando em Música entrevistou o artista, que se inspira em shows e performances intervencionistas para tirar você da cara! E só para lembrar, a banda do Feiticeiro Julião, está cada vez mais próxima de São Paulo...

Falando em Música // Conta um pouco a história dos teus projetos.
Feiticeiro Julião // Passei muito tempo produzindo e tocando com a Malvados Azuis (junto a Henrique, baixista e irmão sanguíneo). Tivemos mais de 4 anos de banda mas pouco alcance midiático. Além disso, a dificuldade para lidar com músicos que encaram a atividade como hobby fez com que a banda mudasse mil vezes de integrantes, esfacelando assim sua identidade. Descobri muito sobre produção e decidi investir nessa persona que hoje me traz entrevistas como essa e tocadas em picos pesados. Também faço hoje em dia a guitarra na Comunidade Azougue: lançamos um disco de carreira esse ano.

De onde nasceu o Feiticeiro Julião?
Ele nasceu como uma entidade livre de rigores morais, que pudesse expressar no palco muita escrotice e exibicionismo - definidas geralmente pelo público como performance. Além disso, uma atenção especial ao lado marketeiro do produto (que eu produzo agora em parceria musical com Vini Valença) é um dos fatores responsáveis pela repercussão atingida no pouco tempo desde o lançamento do primeiro EP - Manifestado (final de 2010) - que veio junto com o Manifestodomanifestado (que ainda aguarda ser publicado mas está contido nas músicas que tocamos com lemas como o "Intelecto de suor, pensar rupestre a pele" e o "antimaldídoto"). Além de Vini, temos na banda músicos sagazes como Will Bantus (saxofone), Toninho Marques (bateria) e Rinaldo Souza (percussão) que acrescentam todo um suingue e personalidade ao show e com quem aprendo muito, especialmente sobre improvisação.

Quais são as inspirações dessa manifestação do Feiticeiro?
A inspiração maior para a postura xamanística (ou seja lá como definam) veio de Screamin Jay Hawkins e Arthur Brown. Também Salvador Dalí, Jorge Mautner, Secos & Molhados e Hendrix foram ícones tanto visuais como sonoros do nosso som.

Como foi tocar no Abril Pro Rock 2011?
Tocar no Abril Pro Rock talvez tenha sido o auge até agora dessa carreira. "Vencer" um concurso com mais de 160 bandas foi uma missão gigante principalmente pela questão dos votos do público. Sorte/ atenção minha que fui um dos primeiros a me inscrever então comecei somando votos desde cedo pedindo via facebook/twitter que os brothers votassem diariamente. Ir pra a final e ser escolhido por uma comissão julgadora importante com gente como Miranda, Andreas Kisser e Zé Teles (além do próprio Paulo André) foi uma prova de que o produto do nosso trabalho é digno de qualidade nacional.

Qual sua relação com o mundo das ideias?
Estudo bastante sobre Literatura - o que termina envolvendo Filosofia. Edgar Alan Poe, uma referência também ao compor o Feiticeiro Julião, tem estudos intensos sobre a forma, a métrica e o universo. Jorge Mautner, que além de músico tem uma obra literária muito vasta e antiga, é um dos pilares de minha postura com seu amálgama e materialismo místico. Para mais detalhes procurem sua Mitologia do Kaos. Porém, não acredito no intelectualismo, na prisão às idéias pois através da vivência podemos “experienciar” tudo o que os autores colocam nos livros. Sou anti-acadêmico por valorizar o instinto.

É possível fazer fama tocando o que ama ouvir?
É possível caso esteja atento a como alcançar o público alvo. Reclamar que não é chamado pra tocar e que ninguém vem produzir o seu som não é a saída para que as coisas funcionem. Ter um material de qualidade (mesmo com pouco orçamento) é possível, mas pra isso é preciso foco e direção - que no caso de bandas autorais pequenas deve vir dos próprios integrantes. Também avaliar quais composições estão maduras para serem publicadas e quais precisam de mudanças é essencial. Gravar uma demo com 3, 4 músicas bem trabalhadas é mais interessante do que gravar um disco inteiro solto, sem consistência. Também a questão do audiovisual é essencial hoje. Profissionais com equipamento bacana e boa vontade (como Bruna Coutinho, cineasta e fotógrafa recifense) ajudaram muito nas recentes conquistas do Feiticeiro Julião e isso não é impossível de se conseguir. Quanto à fama (ou repercussão), ela não virá do trabalho de terceiros, mas do próprio artista ou grupo e de como se empenha e sabe desenvolver sua imagem nos meios gratuitos e "democráticos" como a internet.

Quando foi que você despertou para a música?
Despertei para a música quando criança/ adolescente, empolgado também com a questão visual. Também escrevo há anos, o que me ajudou a ter um material mais profissional hoje em dia e facilidade para mexer com palavras. Chico Science (para citar algum ídolo local) foi um dos que despertou essa vontade de produzir quando eu era criança. A performance do The Who em Woodstock também me fez querer encarar a coisa de maneira definitiva na vida. Estar no palco é um dos focos.

Você usa o mundo interior nas suas composições?
Esse interior é a base das composições. Aquela introspecção e a sensação de que há algo dentro que precisa ser exposto é forte e isso precisa tomar uma forma pra que se torne universal e não meramente um desabafo pessoal cujo valor estético seria mínimo. As composições estão voltadas para os ouvidos também do público, pois além de músicos também somos ouvintes do que produzimos e pode soar enfadonho algo que não esteja atento à questão da audição, limitando-se ao sentimento dos que estão tocando sem alcançar os que querem apreciar. Quando danço não é só pra mim, é pra ser uma imagem, mas é basicamente o que tenho dentro pra mostrar (por vezes sexual, fálico, mas sem malícia). O mesmo posso dizer dos que tocam junto com o Feiticeiro Julião.

Como é tirar os outros da cara?
“Vou Tirar Você da Cara” é um tema que ouvi do Fábio Juvenil (Dunas do Barato, Canivetes) e tomei pra mim, adicionando o trecho que fala do “melada de se divertir”  pois tem tudo a ver com o público recifense, que apesar de receptivo é bem travado, estático, reprimido. As pessoas ficam naquele conforto de voyeur de só assistir e esquecem de curtir, de se entregar. Não é a toa que muitas vezes ouço "queria tanto ter dançado, só não consegui soltar". Tirar da cara - dessa careta estática - é necessário e é certamente meu objetivo principal. Também a questão dos alucinógenos e da erva santa está envolvida pois se bem utilizados podem ser uma ferramenta para o alcance de outro estágio de consciência onde os rigores morais que citei no começo da entrevista são deixados de lado e pode-se viver, liberto, algo realmente único.

Como tu vês o rock do Recife atualmente?
Não creio que haja uma identidade comum entre a maioria das bandas - o que é um produto positivo da muita multiculturalidade local (risos). Temos bandas novas bacanas chegando aos holofotes, isso é uma evolução. Talvez o que falte é apenas uma ajuda mútua entre os músicos. Aqui não há muito o costume de um divulgar o trabalho do outro. Talvez por medo de perder o pouco espaço que nos é reservado e o público que não quer pagar pra assistir às bandas autorais em eventos de menor porte.

Existe alguma outra atividade que desperte uma manifestação cultural dentro de você?
Sim, vou me formar em tradução de inglês pela UFPE, focando em textos literários (especialmente tradução de poemas, o que requer uma vivência literária, pois não se trata apenas de trocar palavras como é o caso de muitas traduções técnicas). Além disso, sou um dançarino nato, o que incorporo também no palco. Também sou faixa preta em karatê (apesar de ter parado há alguns anos) o que também influencia no movimento corporal nos shows. Como falei anteriormente, também escrevo poemas (que vez ou outra terminam em música).

O que você pode dizer da atual concepção de mídia para o mercado musical?
O clichê das redes sociais não deve ser subestimado, pois fenômenos virtuais são lançados a cada dia com alcance de milhões de acessos. O difícil é manter no auge o que se conquista através de youtube, facebook, etc. Pra isso creio que é preciso uma maturidade artística e visão de mercado. Também a questão dos coletivos pra mim tem uma importância grande (faço parte do Lumo que é um coletivo de Recife integrante da Rede Fora do Eixo, de alcance nacional), pois envolve uma cadeia de profissionais de vários estados que podem auxiliar o grupo contanto que haja uma troca de ambas as partes. A questão das gravadoras já foi sublimada; ganhar dinheiro com venda de discos é só pros que vendem música pra novela ou tem contratos milionários. Divulgar e disponibilizar o som para o mundo inteiro via internet é a solução para que seu som tenha público.

Quais são os próximos passos do Feiticeiro?
Os próximos passos são lançar o primeiro disco de carreira que estamos gravando no Malunguim Studio e no Fábrica e fazer a primeira turnê para outro estado (no caso São Paulo, onde tocaremos no Festival Caipirorock e outros picos). Também um clipe está a caminho.





Glossário recifense:

Pico - lugar, ambiente;
Escrotice - diversão, doideira, sinônimo de ser algo legal e engraçado;
Tirar da cara - fumar um baseado, acender uma ganja.

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